
"...logo à noite, em meia lua, o fogo me rodeará e me irá levar para as legendárias paragens onde o amor que fecunda a terra, torna real a lenda que tanto encanta..."
"...o Black tinha 16 anos... era um espírito livre... nunca teve uma coleira nem uma trela... nunca esteve preso numa casota ou fechado dentro de casa... a rua era o seu reino... era metade meu e metade do Dr. João, o Veterinário... eu dava-lhe alimento e estadia e o médico tratava dele, das vacinas, etc... o Black era o "ser" mais conhecido desta minha terra, deste meu canto... toda a gente o conhecia e ele conhecia toda agente... nunca fez mal a ninguém e sorria... sabia sorrir aquele meu amigo... tinha o hábito de correr atrás dos carros e a mania de se deitar no meio da rua... fazia os carros pararem ou abrandarem para poderem passar... mas já toda a gente sabia que era assim... teve alguns atropelamentos... um dia ficou sem o olhito esquerdo (mas essa história fabulosa de inteligência animal eu já contei) e teve de ser operado... outra vez teve de ser operado ao intestino... desta vez, o último atropelamento não o poupou... um traumatismo dorsal na coluna terminou com a sua força de se manter "vivo" e apesar de todas as tentativas de o tratarem, o meu amigo teve de partir... sei que partiu no tempo Pascal mas não quero saber o dia... quero recordar apenas os passeios que ele dava a meu lado... se eu ía ao Banco ele ía comigo e entrava... se eu ía aos ctt ele ía comigo e entrava lá e em muitos outros locais... as pessoas sabiam quem ele era... todos os dias ele subia a rua e ía à Clínica Veterinária visitar os seus amigos... como eu costumava dizer, era o meu guarda-costas apesar de não ter porte nem ser de raça para tal... era apenas um animal feliz, amigo de todos... meu companheiro diário dos passeios que eu fazia para esticar as pernas... caminhava ao meu lado ou um pouco à frente pois já sabia o itinerário... partiu... voou finalmente no último voo da liberdade... aquilo que ele mais prezava na vida: ser livre!... E foi-o... adeus companheiro!..."
“…faz hoje 25 anos que partiste… Estás noutro local, um local para onde foste, um local de sossego, de paz, não é ?… Tenho saudades tuas, pai !… Lembras-te do dia em que nos disseste até breve ?… Lembras-te dos dias em que sempre estiveste a nosso lado, lembras-te de tudo de bom que se passou antes de ires, lembras-te de tudo de mau que se passou antes de ires ?… Recordas o dia em que eu nasci, recordas o dia em que passaste ao estatuto de pai ?… Sei perfeitamente que te recordas e que só por isso te valeu a pena viver; sei que viveste em função dos teus, daqueles que faziam parte da tua própria vida, daqueles que eram a razão da tua existência!… Sei muito bem o quanto sofreste por mim e por todos os teus; sei perfeitamente o quanto lutaste para que nada me faltasse, para que tudo estivesse sempre bem… Lembras-te do dia em que te faltou algo para que eu não sentisse essa falta ?… Lembras-te do dia em que não comeste para que eu tivesse comida ?… Lembras-te do dia em que poupaste nos cigarritos para que eu tivesse dinheiro para o meu tabaco ?… Lembras-te do dia em que tiveste de pedir a um amigo para teres dinheiro para mim ?… Lembras-te do dia, de todos os dias da tua vida em que passaste mal para que em todos os dias da minha vida eu passasse bem ?… Lembras-te ?… Sei que te lembras e sei que sabes que tenho saudades tuas… um beijo para ti, pai!…”