quarta-feira, 8 de setembro de 2004

sons

Foi numa altura em que ainda se conseguia lá ir com o carro; entrei pela porta principal e comecei a subir até ao mais pequenino sítio para se poder estacionar. Saí e o silêncio estava lá à minha espera. Havia um pouco de vento mas não sei de que quadrante. Fiz o restante do percurso a pé, até à zona mais perto do castelo, das muralhas.Olhei em frente e em volta. Fiquei fascinado. Nunca tinha visto as costas aos pássaros voando. Por baixo de mim e à volta das muralhas, os pássaros voavam abaixo do meu nível de visão. Era um enorme prazer o que a minha vista desfrutava.O silêncio estava ali ao meu lado.Inspirei fundo e retive o momento para que ainda hoje me lembre dele como se o estivesse a viver agora.Há imensas rochas por ali. Imensa memória ali cravada na pedra, ali forjada em segredos de distância e de histórias que se conhecem mas também das que se não sabem; memórias de tempos imensos de glória e de luta.Olhei a rocha e coloquei as palmas das minhas mãos na firme solidez fria das pedras; o que senti não foi “daqui” mas também não sei de onde foi; senti algo que me percorreu a alma e a minha memória encheu-se de imagens.Inspirei novamente e de novo guardei o momento para o rever quando o quisesse viver de novo (o que estou a fazer agora).O silêncio tinha som e imagem e esse som me transportou a tempos remotos para lá de tudo o que eu podia conhecer; as imagens, essas, foram nítidas e aqui estão, impressas para todo o sempre, num recanto de mim.O vento sentia-se sem se ouvir e as minhas mãos começaram a aquecer; um formigueiro enorme me percorreu os braços, o tronco, a bacia e desceu pernas abaixo até que senti meus pés ferverem; estava ali debruçado sobre a rocha ouvindo o passado, sentindo como se ele ali estivesse presente dando-me a conhecer o que não tinha vivido.A sensação tornou-se-me límpida e fresca e um sorriso se me aflorou nos lábios.Retirei as mãos da pedra e comecei a descer para o carro.Acabava de viver algo de inesquecível. Tinha pura e simplesmente viajado no tempo, tinha ido ao passado, tinha recuado uns séculos e o som e a imagem ficaram comigo.Apesar de tudo, senti paz.Fica ali, no Alentejo, mesmo perto da fronteira e chama-se Marvão.Preciso de lá voltar.

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